Estes dias sombrios, que se abateram sobre nós, estão sendo muito difíceis. Temos vivenciado uma ressaca continua, mas sem ter ingerido uma gota de álcool. É uma ressaca moral! Pelo desmonte geral das pífias conquistas sociais e das combalidas políticas públicas. Por um futuro que se desenha tenebroso, inseguro e amedrontado. Pelas pessoas sem trabalho, pelo fim de ações importantes do Estado, pelas populações excluídas dos direitos humanos e sociais, por atos antidemocráticos – enfim, por um clima muito esquisito, aqui e no mundo. São dias desleais, com bruxos e vampiros sugadores soltos em suas piores versões. Mas, se não há bem que perdure, também não há mal que prevaleça para sempre. Dai que para o poeta, onde tem bruxa, tem fada, e que ela venha nos devolver os sonhos de presentes e futuros sem medos:
” – Fada não é nome nem sobrenome. Entrou na cidade sem passaporte, sem carteira de identidade, sem carteira profissional, sem título de eleitor, sem cartão de crédito e CPF. Não tem endereço de residência nem CEP e diz ter como profissão realizar desejos. Não é filiada a nenhum sindicato e ensinou um menino a ler e a escrever sem técnica de professor. Construiu casa sem empréstimo, avalista e projeto, em lugar proibido. (…) Contou segredo no coração dos meninos. Sorriu no momento da prisão, desrespeitando as autoridades. Com certeza não foi informada de que vivemos em uma democracia. Por tudo, Maria do Céu é culpada e permanecerá presa até que se prove o contrário. (…)
Maria, ideia condenada, usou, naquela noite, os seus poderes de fada. Virou vaga-lume. Passou pelas grades e sobrevoou a cidade. Visitou cada menino e entrou em seu sonho. Viu que todos sonhavam com cidades onde a fantasia era possível e necessária. Cidades onde as fadas moravam sem causar medo. (…) Cidades sem mágicos e magias, mas cheias de encantamentos.
O sonho dos meninos alegrou a fada-madrinha, que naquela madrugada partiu para outra parte do mundo. Se exilou, talvez, em outras terras.
O certo é que Maria do Céu passou pela Terra em forma de fada e vestida de anjo, mas só alguns viram. Passou breve, deixando com os meninos uma ideia que trouxe do azul. Chegou como um arco-íris, sem aviso”. (Onde tem bruxa, tem fada…, Bartolomeu Campos de Queirós, 1979, Editora Moderna) Imagem Eu amo leitura.