Conheci a escritora e ilustradora Angela Lago em 2001, na cidade de Umuarama no Paraná. Ela participava de uma Feira de Livro promovida pelo Sesc local e eu estava a trabalho na cidade. Conversamos longamente sobre leitura, livros e vida, a artista expressava uma tranquilidade e simplicidade que revelavam sua mineirice.
Foi ali também que tive contato com a obra de Angela. Uma delas que me impactou e impacta até hoje é o premiadíssimo “Cena de Rua”, no qual a artista plástica cria uma narrativa visual com a utilização de imagens, dobra da página e jogo estético de cores que dão profundidade ao retratado gerando a sensação de uma terceira dimensão.
A sensibilidade de Angela para trazer à tona um tema invisibilizado nas esquinas e semáforos de nossas cidades: a presença de crianças vendendo ou fazendo coisas como formas de levarem algum dinheiro para casa e ajudarem na subsistência de suas famílias. O enquadramento, o fundo preto, as cores quentes, as expressões dos personagens nos dão a dimensão do drama vivido por aquele menino nos sinais da vida e o modo como nós reagimos, muitas vezes, protegidos dentro de nossos carros.
A artista usa com maestria as imagens para criar em nós um desconforto e nos colocar frente à frente com o debate da desigualdade social e econômica e a sua naturalização no cotidiano em que somos passageiros.
Na época, esse livro contribuiu muito para que colocasse em xeque a discussão do que é um livro para criança. A temática e a forma como a ilustradora resolve tratá-la trazem necessidade de debatermos questões que nos impactam, diariamente, para além de nossas faixas etárias. São cenas que se repetem no dia a dia e que retornam também no final do livro.
A boa literatura tem a capacidade de promover reflexões e debates que não se restringem ao contexto etário de leitores, aliás, muito pelo contrário, pode ser uma ótima oportunidade para que gerações sentem para conversar sobre dramas que atravessam seus cotidianos, exercitando o colocar-se no lugar do outro, uma dimensão tão fundamental nesses tempos difíceis que vivemos.
Angela nos fará falta, mas suas cenas continuarão a história nesse e tantos outros livros escritos e ilustrados por ela e, principalmente, farão pessoas de diferentes idades sentarem para dialogarem sobre a vida. Valeu, Angela.